O (outro lado do) Software Livre

Os entusiastas e ideologistas proclamam aos 4 cantos, que a adoção do Software Livre e a formação de todo um ecossistema em sua volta, seria a solução ideal para prover uma real igualdade ao acesso da tecnologia e informação à todos. No entanto, se o Software Livre fosse realmente “tão bom assim”, porque é que nem todos o utilizam? Queiram ou não, nem tudo são flores. O Software Livre também compartilha certos aspectos negativos, tornando-se uma grande dor de cabeça para muitos cenários os quais as soluções são aplicadas…

“Certo rabino era adorado por sua comunidade. Todos ficavam encantados com o que dizia. Menos Isaac, que não perdia uma chance de contradizer as interpretações do rabino, apontar falhas em seus ensinamentos. Os outros ficavam revoltados com Isaac, mas não podiam fazer nada. Um dia, Isaac morreu. Durante o enterro, a comunidade notou que o rabino estava profundamente triste. ‘Por que tanta tristeza? Isaac vivia colocando defeito em tudo que o senhor dizia!’, comentou alguém. ‘Não lamento o meu amigo que hoje está no céu. Lamento a mim mesmo’, respondeu o rabino. E concluiu: ‘Enquanto todos me reverenciavam, ele me desafiava, e eu era obrigado a melhorar. Agora que ele se foi, tenho medo de parar de crescer’.”

— [“Isaac morre”, por Paulo Coelho].

Pode parecer um contra-censo para um entusiasta (como eu), escrever uma matéria em que só irá mostrar os aspectos críticos e negativos do Software Livre; no entanto, a proposta deste artigo será justamente esta: conhecer as limitações e deficiência do Software Livre, com o objetivo de buscar maneiras para corrigir ou eliminá-las. Ou pelo menos, atenuá-las…

Padronização: se não for considerada a principal deficiência do Software Livre, está considerada entre as principais. A existência de uma infinidade de distribuições, com vocações, culturas e implementações, dificultam muito o processo de adoção dos procedimentos padronizados para a sua administração e manutenção, causando assim a tão indesejada desfragmentação. Felizmente, as mais populares distribuições do mercado podem ser resumidas em meia-dúzia, que por sua vez tendem a promover o Linux Standard Base (LSB), compartilhando assim uma base de conhecimentos técnicos em comum; no entanto, o problema continua a existir, em diferentes números, gêneros e graus.

Compatibilidade: infelizmente, nem todo hardware é compatível com os sistemas operacionais baeados em GNU/Linux. Apesar do inúmeros avanços nesta área, o sistema não goza de muito prestígio especialmente com fabricantes que desenvolvem soluções para o uso pessoal. Muitas placas-mãe e seus chipsets, placa de vídeo, interfaces de redes e até mesmo dispositivos e periféricos, não possuem drivers nativos para o Linux. Apesar disto, o esforço da comunidade do Software Livre tem sido surpreendente.

Softwares: a grande maioria dos softwares proprietários são desenvolvidos para rodar exclusivamente na plataforma Windows, seguido o MAC OS X e por fim o Linux, na ordem de importância. E os maiores motivos disso estão no aspecto financeiro (pois em vista da pouca quantidade de usuários, não há retorno financeiro) e técnico (nem todos os softwares proprietários compilados para o Linux podem ser executados nas diferentes distribuições disponíveis no mercado, em vista da compatibilidade binária). Felizmente, esforços de padronização como a Linux Standard Base, têm reduzido bastante o problema da compatibilidade de bibliotecas e APIs.

Suporte: um projeto de Software Livre, mantido pela comunidade formada à sua volta, geralmente é fornecido “do jeito que está”, sem garantia de suporte técnico especializado. Esta questão até pode ser amenizada com a contratação de empresas especializadas em suporte, oferecendo também garantias especiais (até proteções jurídicas, se estas forem necessárias). No entanto, muitas empresas e instituições não se sentem tão “à vontade” com este cenário, preferindo optar por soluções proprietárias já consagradas (embora estas últimas nem sempre ofereçam o suporte adequado).

Continuidade: um software livre pode simplesmente ser descontinuado, dependendo dos interesses e possibilidades de seus desenvolvedores. Assim, uma empresa dependente de uma solução específica pode ficar “à ver navios” porque tais programas não serão mais desenvolvidos. Apesar disso, a licença GPL possibilita terceiros – inclusive a empresa interessada – em continuar o desenvolvimento das aplicações que tanto necessita. Mesmo assim, devermos ficar atento por saber que as novas iniciativas adotarão novos nomes, marcas e modelos de negócios diferenciados (se vierem a existir).

Custo Total (TCO): em geral, o software livre é fornecido gratuitamente, sem custos de licenciamento. Porém, em muitos casos teremos que levar em consideração o custo de implantação, o treinamento dos empregados, a contratação de profissionais especializados, a adoção de infraestrutura adequada, e por aí vai. Colocando todos estes valores no papel, o custo total acaba sendo mais dispendioso que o software proprietário pago, que todo mundo está acostumado a usar, que por consequência, dispensa os treinamentos e as (diversas) adaptações culturais.

Segurança: embora os entusiastas do Software Livre considerem a disponibilidade do código-fonte como uma garantia, de que haverá uma grande quantidade de pessoas para realizar uma auditoria mais eficiente, ainda assim não deixará de expor as fragilidades do sistema. Mesmo questionável, a indisponibilidade do código-fonte dos softwares proprietários também protege (até certo ponto) o programa contra as falhas de segurança, uma vez estas ficarão “escondidas” junto com a “invisibilidade” do que foi escrito pelos desenvolvedores.

Jurídico: em decorrência da existência de uma infinidade de patentes de softwares, tanto desenvolver quanto utilizar softwares livres sem proteções jurídicas, acaba gerando mais dores de cabeça a que pagar por determinados softwares proprietários. E isto já aconteceu: no início da década, a SCO chegou a intimar a muitas empresas a obterem uma licença de uso do Unix, por alegar ter os direitos autorais e que o seu sistema teve partes (códigos) reutilizados sem autorização para o desenvolvimento do Linux. E até mesmo a pouco tempo atrás, a própria Microsoft fez as suas alegações…

Apesar dos problemas e limitações, o Código Aberto (e o Software Livre) vem nos mostrando que o futuro da Computação está em um cenário diversificado, onde a sua aplicação nas mais diferentes áreas, poderão promover um ecossistema unificado de soluções (mesmo apesar das diversas ramificações). Amazon, Cisco, Facebook, Google, IBM e até mesmo a Microsoft, adotaram o Linux como base para as suas ofertas de serviços de plataforma em nuvens. Inclusive, muitos países enxergam a importância do Software Livre como questão de soberania nacional!

Mas infelizmente, continuamos com 2% nos desktops… &;-D